A cronologia iniciada pelo ano de nascimento e as diferenças etárias situam-se entre os mais elementares parâmetros determinantes do destino e da vida humana. Na sociedade humana, a transição biológica, marcada pelas diferentes fases etárias, condiciona-se, obviamente, a definições culturais e constitui uma base para a definição dos seres humanos, para formação de atividades e relacionamentos mútuos e para as diferentes distribuições dos papéis sociais. Embora a significação das diferentes idades e a extensão e limites das idades, que formam categorias etárias relativamente unitárias, variem de uma sociedade para outra, não conhecemos nenhuma sociedade que não distinga as várias ‘idades’ e não as defina por meio de normas e valores de sua tradição cultural.[...] As características de um grau etário não podem ser totalmente compreendidas, exceto na sua relação com as características de outros graus (EISENSTADT, 1976, p. 2-3).
  Assim, as  definições culturais relativas a cada grupo etário distinguem-no em seu  conjunto de características básicas, não obstante a variedade de detalhes  passíveis de enumeração em cada indivíduo que o compõe. “Um ‘grupo etário’ é  usualmente definido em termos amplos como um ‘tipo humano’ geral e não como  qualquer traço ou papel específico, pormenorizado” (ibidem, p. 2). Além de, em certa medida, serem culturalmente  atribuídas a determinada idade atividades específicas, servem principalmente  como expressões simbólicas e rituais de um padrão de comportamento mais abrangente. 
  Uma definição cultural  de uma faixa etária ou de uma gama de idades é sempre uma ampla definição de  potencialidades e obrigações humanas numa dada fase da vida. Não é uma  prescrição ou expectativa de um papel detalhado, mas de disposições gerais,  básicas, no sentido das quais podem ser constituídos papéis mais específicos e  às quais eles podem ser atribuídos (ibidem, p. 2).
  As  definições institucionais em uso convencionaram chamar de jovens aos que se situam entre os 15 e os 24 anos. Com esse  parâmetro é possível, pelo menos cronologicamente, supor-se o que vem a ser um  adulto.
  Portanto, o recorte “gerações”, além  de poder ser entendido como uma categorização, carrega consigo uma conotação  ideológica, visto que se associa regularmente a significados, valores,  expectativas e grau de importância relativa de cada segmento etário, quer na  visão individual ou coletiva. As expectativas de papel ficam, pois,  condicionadas a esses artefatos culturais e estão inseridas em cada segmento  etário numa relação recíproca que lhes dá sentido. Ou seja, as características  de uma determinada geração e as expectativas de papel  a elas relacionadas só podem ser compreendidas num comparativo às outras  gerações, em seus contrastes e semelhanças e, também, em uma visão de  continuidade, ante a qual se torna possível obter um mapa total das  potencialidades humanas.
  Depreende-se, portanto, que  igualmente para a sociedade e para os indivíduos a distinção por categorias etárias  cumpre função primordial para o indivíduo, estabelece parâmetros necessários à  integração e à auto-identificação; para o sistema social constitui elemento  essencial à sua estruturação.
  É bem  verdade que cada cultura estabelece os intervalos em anos que configurariam  cada geração, e isso é um dificultador quando se pensa em uma análise  comparativa. Também é verdade que não se pode tomar os referenciais em anos  como absolutos, até porque não é possível obter sempre uma regularidade de  fenômenos, ainda que comparativos gerais possam ser feitos mediante uma  categorização igualmente abrangente e não absoluta.  Além do mais, as peculiaridades e os ritmos  individuais sempre reservarão a possibilidade de respeitar a distinção e ao  mesmo tempo fazer lembrar que cada indivíduo é único.
  No artigo  “Quem é a geração X?”,  Conger (2002)  caracteriza três gerações distintas em sua relação com o local de trabalho e o  fenômeno da liderança. Como o artigo resulta de pesquisa realizada nos EUA,  resta saber se as tendências também se aplicam à realidade do Brasil e se o  grau etário caracterizado corresponde com exatidão ao proposto para aquela  sociedade.
  A título de  esclarecimento, o autor conceitua “gerações” como 
  [...] produtos de  fatos históricos que influenciam profundamente os valores e a visão de mundo de  seus membros. Esses eventos trazem às pessoas lembranças e emoções fortes, que  moldam profundamente suas idéias sobre instituições, autoridade, dinheiro,  família e carreira (CONGER, 2002,  p. 69).
  A “Geração  X” a que o autor se refere no título de seu artigo compreende os indivíduos  nascidos entre 1965 e 1981 ,  ou seja, os adultos dos dias atuais, que inicialmente foram considerados slackers, 
  um grupo de niilistas  desmotivados e céticos [...] desconfiam da hierarquia. Preferem arranjos mais  informais. Querem julgar mais pelo mérito do que pelo status. São bem menos  leais a suas empresas. Apreciam o trabalho em equipe. Conhecem computadores por  fora e por dentro. Gostam de dinheiro, mas também procuram equilíbrio com a  vida pessoal. Enfim, estão mudando as empresas” (CONGER, 2002, p. 64-65).
  Avessos à  hierarquia, vale reforçar, esses indivíduos preferem o trabalho em equipe e  desejam um funcionamento comunitário para a empresa. Respondem à necessidade de  seu tempo, pois só  frutificam e prosperam nas  organizações contemporâneas porque estas tiveram, por sua vez, de responder aos  imperativos de mercado, às exigências de competitividade e qualidade. Nesse  caso, não se podem dissociar comportamentos socialmente aceitos da materialidade  que os suscita e permite sua consolidação. 
  Nessa  perspectiva, a do materialismo histórico, a Gestação X contrasta  substancialmente com a “Geração Silenciosa”, formada pelos chamados burocratas  – executivos dos anos 50 a 70 do século passado  –, que foram leais às empresas em que trabalhavam e delas receberam lealdade em  troca. Representativos da “era de comando”, esses executivos foram  surpreendidos, em meados dos anos 70, pela aceleração das mudanças no  capitalismo ocidental e cederam espaço como força de trabalho para a “Geração  Baby Boom”, composta por pessoas nascidas entre 1943 e 1964. 
  A lentidão  e a inflexibilidade adaptativa dos modelos hierárquicos deram lugar às equipes multifuncionais por projeto,  tendo por base uma estrutura de funcionamento supostamente muito mais  democrática e participativa. 
  À medida que o modelo  de comando perdia eficácia e o trabalho em equipe crescia, os relacionamentos  no local de trabalho se tornaram mais informais e os funcionários mais  dinâmicos. Eles passaram a ter menos paciência com as restrições do sistema  hierárquico e menos disposição de se submeter automaticamente aos chefes. Um  chefe não conseguia mais administrar com a facilidade que tinha na década  anterior. A lealdade diminuiu drasticamente – no início por parte da empresa,  mas os funcionários não demoraram a seguir o exemplo (CONGER, 2002, p. 66-67).
  Com os boomers, assiste-se à ruína da aura que  envolvia as posições de autoridade. Para eles, a autoridade perdia  gradativamente a confiabilidade, quando não lhes parecia totalmente errada nos  paradigmas, decisões e visão. Em uma proporcionalidade inversa, como não  poderia ser de outro modo, crescia a independência, reduzindo-se a obediência.
  Para Conger  (2002, p. 67-68),
  a grande importância  atribuída à independência está, em parte, relacionada ao crescente aumento da  riqueza nos EUA. As pessoas passaram a dispor de mais dinheiro para adquirir os  serviços e aparelhos necessários para manter uma casa. Esse fator tornou-as  menos dependentes da família e da comunidade. Além disso, nos anos 60, as  pílulas anticoncepcionais chegaram ao mercado, dando às mulheres maior controle  sobre si mesmas e contribuindo para o surgimento do movimento feminista.
  Essas mudanças [dentre  outras] criam a nova ‘raça’ dos executivos da geração baby boom.
  Num espaço de uma  única geração, portanto, palavras como ‘chefe’ e ‘presidente’ mudaram  completamente de sentido. Não representam mais sinais positivos de realização e  autoridade, mas sim símbolos de distanciamento das pessoas, de agressividade  gratuita e de outros atributos indesejáveis.
  Para o propósito  desta dissertação encontram-se outros argumentos que justificam a escolha do  recorte “gerações” para se tentar compreender o tema central liderança, através  da busca de respostas às questões expressas nos seus objetivos específicos,  porque
  o desenvolvimento bem sucedido de padrões de comportamento que se conformam  às normas e expectativas de papéis de uma sociedade envolve um alto grau de  integração da personalidade e concomitante desenvolvimento de atitudes  especiais no quadro da personalidade do indivíduo. Entre estas a atitude do  indivíduo para com a autoridade e sua cooperação são extremamente cruciais para  o funcionamento adequado da personalidade no contexto do sistema social. Estas  atitudes podem ser subdivididas em três categorias principais: a capacidade de  obedecer a pessoas investidas de autoridade; a capacidade de cooperar com seus  iguais; e a pré-disposição em aceitar responsabilidade e assumir autoridade em  relação a outras pessoas. (EISENSTADT, 1976, p. 8). 
  Em todas as  sociedades os indivíduos são solicitados a desempenhar papéis relacionados às  três disposições enumeradas por Eisenstadt (1976). Através dessa representação  de papéis relativos a diferentes graus etários, criam-se padrões de predisposições  gerais capazes de dar sustentação à aceitação e ao exercício da autoridade, bem  como padrões cooperativos adquiridos mediante a interação entre os indivíduos  da mesma geração.
  Uma vez  entendido o sentido do recorte “gerações”, pode-se tomar um pequeno desvio pela trilha explicitada nos vínculos de  autoridade e cooperação como fenômenos naturais no processo de socialização.
  Sennett  (2001) destaca quatro formas sociais de vínculos, a saber: a autoridade, a  fraternidade, os rituais e a solidão, definindo-os como emoções sociais e importante  caminho para se compreenderem os compromissos estabelecidos entre os membros de  um determinado grupo social ou de grandes conglomerados modernos. Para ele, as  predisposições descritas por Eisenstadt (1976) são precondições para a  existência social e têm conseqüências políticas relevantes. 
  Como  contribuição à compreensão, vale um aprofundamento quanto ao que Sennett (2001)  propõe. No caso, esses vínculos têm um duplo significado, visto que traduzem  ligação, mas também limite imposto. 
  A crença na  autoridade traz consigo a confiança e o amparo, mas em contrapartida demanda  obediência e submissão. É uma forma de ligação entre pessoas desiguais. O  ritual unifica, une pessoas iguais ou não, mas o vínculo desaparece tão logo é  encerrado. A fraternidade constitui laço que interliga pessoas semelhantes e  pode conduzir a uniões tão próximas, que ameaça a identidade individual e cria  lutas internas acerca de quem faz parte “realmente” do grupo. A solidão é uma  emoção da ausência, expressa na não-ligação e conseqüente falta de limites; a  sua natureza dolorosa empurra, porém, em direção à busca de uniões substitutivas  que, no fundo, não a superam.
  Em meio a  esse contexto da natureza dos vínculos sociais, Sennett (2001) afiança que  todas as suas quatro formas são emoções sociais. Três criam vínculos, e uma os  nega. E sugere que, “como expressões de sentimentos sobre outras pessoas, todas  essas emoções exigem um estudo histórico: quem são as pessoas de que estamos  falando, quando, e em que circunstâncias?” (ibidem,  p. 22). 
  Interessa  mais de perto ao propósito deste trabalho de dissertação um aprofundamento  especial no vínculo de autoridade e, principalmente, enumerar as imagens usuais  presentes na sociedade acerca do fenômeno e determinar se estas sofrem  alterações ao longo dos anos e em cada grau etário. É o mesmo Sennett (2001)  que contribui parcialmente para tal intento. Ele lembra que etimologicamente a  raiz de autoridade é “autor”, o que sugere a implicação com algo produtivo.  Contudo, a palavra “autoritário” é freqüentemente usada  para descrever pessoas ou sistemas  repressivos.  Assim, ainda que todos  saibam intuitivamente o que é autoridade, a idéia em si não é muito fácil de  ser traduzida em um conceito restrito. Uma imagem passível de associação é o  autocontrole e o controle sobre o que está fora, que por sua vez remete à idéia  de disciplinarização, panotipismo  etc. Também é factível uma correlação com força e capacidade de inspirar medo. Em  relação à força, o seu equivalente político é poder. Não raro, autoridade e  poder são usados como sinônimos, mas também é possível entendê-los como  conceitos distintos.
  Por outro lado,  consideramos a idéia de força implicada no medo de que a autoridade seja  destruída. Trata-se da força dos valores e crenças de nossa geração; queremos  que eles perdurem, mas isso não se dá, porque nosso corpo não perdura. Tanto na  sociedade quanto na vida privada, queremos um sentimento de estabilidade e  ordem, benefícios que são supostamente trazidos por um regime dotado de  autoridade (ibidem, p. 31-32)
  A idéia de  força carrega consigo uma complexidade notória, ainda mais quando associada à  sua componente “integridade”. Nem sempre as forças que dão autoridade a uma  determinada pessoa, grupo etário ou instituição servem a um ideário elevado ou como  garantia de proteção aos demais, mas tão somente de sua dominação. 
  Sennett  (2001, p. 33) conclui em meio a todas essas considerações que, em sentido  geral, a autoridade “é uma tentativa de interpretar as condições de poder, de  dar sentido às condições de controle e influência, definindo imagens de força.  [...] Na vida cotidiana, a autoridade não é uma coisa. É um processo  interpretativo que busca para si mesmo a solidez [...]”.
  Entender  autoridade como um processo de interpretação do poder choca-se com duas  correntes presentes no pensamento social moderno, conforme salienta Sennett  (2001), na medida em que a coloca nos olhos de quem a vê. 
  Weber é tido  por Sennett (2001, p. 34) como o principal representante da primeira corrente, na  qual se preconiza que as condições do poder é que determinam o que o sujeito vê  e sente. “Weber acreditava que as pessoas pensam no poder de diversas maneiras,  mas que apenas alguns tipos de pensamentos as levam a conceber os poderosos  como autoridades, e esses pensamentos seriam determinados pelos tipos de  controle exercidos pelos poderosos.”. É daí que Weber estabelece três  categorias que traduzem as imagens sobre autoridade. A primeira é a  tradicional, que se baseia na imagem de uma sociedade de privilégios  hereditários. A transmissão de autoridade está fundada num passado tão remoto, que  só é possível  compreendê-la à guisa de  mitos e lendas. A seguinte refere-se à legal/racional, calcada na crença na  legalidade das normas e no direito de dar ordens, reservado àqueles que ocupam  uma posição deliberada por essas normas. “A última categoria é a carismática,  que se ‘assenta na devoção incomum e extraordinária de um grupo de seguidores à  sacralidade, à força heróica ou à exemplaridade de um indivíduo e da ordem  revelada ou criada por ele’” (ibidem,  p. 35). No pensamento weberiano, o autor ainda destaca a identificação da autoridade  com a legitimidade. “Autoridade como crença na legitimidade, mediada pela  obediência voluntária: aí está uma abordagem da autoridade que adquiriu imensa  influência no pensamento social moderno” (ibidem,  p.36).
  A outra corrente,  descrita por Sennett (2001, p. 37), que supostamente se choca com a idéia de  autoridade associada à interpretação do poder, tem  como seus mais fortes representantes Freud e “[...]  autores que enfatizam o processo pelo qual as pessoas percebem a força nos  outros, independentemente do conteúdo do que percebem”. Particularmente a Psicanálise  “pinta um quadro trágico”, na visão de Sennett (2001), composto por “imagens de  autoridade formadas na infância e que persistem na vida adulta” (ibidem, p. 37), que permeiam as lutas dos  indivíduos com o poder, o direito e a legitimidade. Ao interpretar o presente,  o adulto não o faz em relação ao presente propriamente dito mas em função do  que existiu um dia em suas experiências pregressas. É a partir dessas  experiências que ele constrói a imagem de força. 
  A “Escola  de Frankfurt”, sob influência da Psicanálise, busca estabelecer combinações,  associando o pensamento psicanalítico com uma visão crítica marxista traduzida  em dupla ênfase: de um lado, a preocupação em verificar os mecanismos pelos  quais as imagens infantis perduram na vida adulta (funcionamento da memória,  projeção etc.) e, de outro, as condições sociais que intervêm na permanência  desses padrões infantis.
  No dizer de  Sennett (2001), a Escola de Frankfurt, mesmo que também sofra críticas como a  corrente psicanalítica, lança questionamentos a determinados pressupostos  aceitos: 
  Aquilo em que as  pessoas se dispõem a acreditar não é uma simples questão da credibilidade ou  legitimidade das idéias, regras e pessoas que lhes são apresentadas. É também  uma questão de sua própria carência de crer. O que elas querem de uma  autoridade é tão importante quanto o que a autoridade tem a oferecer. [...] a  própria carência da autoridade é moldada pela história e pela cultura, assim  como pela predisposição psicológica (ibidem, p. 41).
  É possível  manifestar concordância com a idéia de Sennett (2001) quando ele destaca que  essas contribuições permitem compreender os ingredientes que compõem a  interpretação, revelam a implicação tanto das motivações pessoais quanto das  condições sociais, mas ainda não estabelecem com exatidão e clareza como a  interpretação é construída na troca social. Responder a essa falta é buscar  compreender um aspecto peculiar à atualidade: “os poderes formalmente legítimos  das instituições dominantes inspiram um forte sentimento de ilegitimidade entre  os que estão submetidos a elas. Todavia, esses poderes também se traduzem em  imagens de força humana [...]” (ibidem,  p. 42). 
  Basicamente  duas imagens acerca do exercício da autoridade são apresentadas por Sennett  (2001). A primeira é tida como um legado do século XIX para o XX, que é o paternalismo.  No paternalismo, a relação pai-patrão é facilmente estabelecida. Para o autor,  a expressão ainda é usada indiscriminadamente como sinônimo de patriarcalismo  ou mesmo de patrimonialismo. Ainda que sejam reconhecidas como formas masculinas  de dominação, tais expressões não devem ser entendidas como iguais. A segunda  imagem diz respeito à “autoridade autônoma”.
  No  patriarcado, continua Sennett (2001), as pessoas estão conscientemente  vinculadas por laços consangüíneos. Os homens são o elo de união dessas famílias  e deliberam. A transmissão da propriedade dá-se pela linhagem masculina. No  matriarcado, ao contrário, é a mulher o elemento central, enquanto que na  poliarquia nenhum dos gêneros é dominante. Já o patrimonialismo, apesar de  guardar uma certa semelhança com a forma de dominação anterior, distingue-se pelo  fato de as pessoas não conceberem suas relações sociais exclusivamente  dentro do parâmetro família. Outros laços de  união e pertencimento são aceitos como meios de herança de bens ou posição. O  paternalismo, por sua vez, difere dos modelos precedentes no que há de mais  fundamental, ou seja, o patrimônio não existe. “A propriedade já não é  legalmente transmitida do pai para o filho varão mais velho, de acordo com o  princípio da primogenitura. Tampouco a sociedade garante legalmente que a  posição ocupada por pessoa de uma geração seja ocupada por um seu parente da  geração seguinte” (ibidem, p. 77).
  No  paternalismo, em síntese, os homens constituem ponto central no processo de  dominação, que por sua vez está baseado em seu papel de pai. A força, a  proteção, o julgamento são a base simbólica que sustenta esse pressuposto. A  legitimação do poder dá-se menos pela via material do que pelos símbolos e  crenças. É, portanto, uma forma de dominação não contratual, e o resultado  disso, afirma Sennett (2001), é a introdução de uma ambigüidade relativa à  figura de autoridade. 
  A criação  da imagem pai-patrão encontra eco na visão especular preconizada pela Psicanálise,  em que se confia que as relações sociais mais amplas espelham as relações com o  par parental. Sennett (2001, p. 78) entretanto adverte: “O trabalho não é uma  extensão natural da família.”  
  Curiosamente,  mesmo com o declínio do modelo patrimonialista na sociedade moderna, a  liberdade plena esperada não se consolidou. O paternalismo buscou novos meios para  o que o patrimonialismo tinha realizado, ou seja legitimar o poder fora da  família a partir do apelo aos papéis exercidos dentro dela. Reconstruíram-se  vínculos simbólicos, e a imaginação encarregou-se de restabelecer o que  materialmente poderia ser destruído. A fusão pai-patrão em relação mútua  modifica-se em seus significados originais, ampliando o sentido para além  daquele encontrado nos termos em separado. Tanto “pai” como “patrão” são formas  de controle, mas o primeiro empresta ao segundo um sentido de “cuidado” e  “proteção”, sugerindo a fusão cuidado-poder. 
  Se se pode  entender a autoridade como alguém que usa a força para proteger os demais,  estabelece-se uma estratégia paternalista meio tacanha, na medida em que a  proteção prometida no paternalismo está a serviço dos interesses de quem exerce  a autoridade e só é mantida sob esses termos. Há portanto uma promessa de  amparo, negando-se porém o que há de essencial no cuidado, ou seja, seu  propósito de tornar independente e forte aquele que o recebe e de dar-lhe  consciência crítica.
  Creio que poderíamos  dizer que a junção do poder com o cuidado ‘só’ é idealista, hoje em dia, porque  essa consciência crítica está moribunda. Mas também estamos passando a ver, na sociedade  moderna, exatamente como é o poder sem o amparo. O poder também foi  transformado numa imagem de autoridade, no pólo oposto ao do paternalismo. Em  vez do falso interesse, essa nova autoridade não expressa interesse algum pelos  outros. Trata-se da autoridade da figura autônoma [...] (ibidem, p. 115).
  A imagem de  autoridade autônoma professada por Sennett (2001) situa-se, para ele, no  extremo oposto ao da imagem de paternalismo na sociedade moderna, como visto na  afirmação acima. No paternalismo, a autoridade é exercida pelo “bem” de outrem.  “Cuidar dos outros é uma dádiva da autoridade, e ela só a confere desde que  isso atenda a seus interesses.” (ibidem, p.117).  A autoridade autônoma, por seu  turno, não parte de qualquer intenção de cuidar. A sutileza dessa imagem parte  do princípio de que na vida social são possíveis a auto-suficiência e a  inexistência de controle de uns sobre os outros. 
  Na  contemporaneidade, a autonomia assume uma forma simples, por um lado, traduzida  na posse de “qualificações”, e complexa, por outro, relativa à estrutura do  caráter (ibidem, p. 118). Sob o  rótulo de “sociedade das especializações”, a sociedade moderna tem como valor a  perícia, a habilidade técnica, conferindo independência. Já a forma complexa da  autonomia liga-se à reunião de atitudes capazes de conservar essa mesma  independência. Desvinculado de qualquer qualificação técnica, esse rol de traços  de personalidade “personifica” a autonomia complexa. Deter a capacidade de  julgar, por não se esperar aprovação, constitui-se primordialmente no  autocontrole, numa força que confere autoridade natural aos olhos de quem a  possui. Portanto, a indiferença, ou melhor, a impessoalidade burocrática  confere autoridade nas instituições modernas.  
  Tendo em  vista essa breve passagem pela discussão de alguns elementos essenciais ao  complexo conceito de autoridade, fica a idéia de que o mesmo está vinculado ao  próprio processo de socialização e recebe forte influência cultural. Nas  sociedades ocidentais, a relação entre os diversos graus etários é sempre  simétrica e expressa de forma autoritária, onde o agente socializante adulto  constitui-se no primeiro modelo de autoridade experienciado.
  Descobrimos, assim,  que relações entre diversos graus etários são necessariamente simétricas do  ponto de vista da autoridade, do respeito e da iniciativa. Os graus etários  mais idosos geralmente exercem alguma autoridade sobre os mais jovens; podem  dirigir, formal ou informalmente, suas atividades e ganhar seu respeito. Esta  assimetria básica de poder e autoridade é característica da interação entre  diferentes faixas etárias e gerações como um todo (EISENSTADT, 1976, p. 9).
  O que pode  acontecer, entretanto, quando a experiência como atributo diferenciador e  associado à idade perde o seu valor intrínseco? 
  Nas  sociedades modernas, a formação acadêmica e a aquisição de competências vêm  assumindo, sobremaneira, um grau de valorização ímpar em detrimento da  experiência ou perícia obtida com o tempo. No próximo capítulo aprofundam-se  tais variáveis. 
  Todos esses  elementos entrecruzados demarcam o propósito de se discutir, nesta pesquisa, a  questão da liderança e as expectativas de papel a ela relacionadas, o que tem  ocorrido no imaginário geracional atinente a imagens de autoridade, bem como  seus reflexos na tecnologia de preparação de líderes organizacionais.
  Como já mencionado,  não resta dúvida de que fenômenos histórico-culturais distintos, além do  próprio ciclo biológico, demarcam um momento, um tempo, uma geografia e um  lugar de memória  conforme  sugere Nora  (apud FERREIRA, 2002, p. 11) para se  recordar. E, não obstante haja uma certa imprecisão quanto aos limites etários  que demarcam cada geração, o que importa, então, no fim de contas, é a  experiência comum a idades similares e que estas se circunscrevem dentro de uma  escala de gradação etária. Se não há como definir os limites iniciais e finais  exatos, em anos ou datas, desse conjunto de indivíduos que compõem uma dada  geração, referências conceituais podem fazê-lo. 
  Além do  mais, toda a realização humana se mantém sempre em estreito vínculo dialógico  por um lado, com o passado e a tradição, para confirmá-los ou negá-los, e, por  outro, com o presente, no qual busca elementos que confirmem a  contemporaneidade e a ela se articulem. Essa realização é, pois, sempre  histórica, relacionando-se com o momentum de determinada sociedade, pelo menos por duas vias: (1) recebe um sistema  convencionado, uma “linguagem” própria àquele tempo e (2), ainda que esteja  vinculada a essa linguagem, as novas articulações obtidas a partir dela  interferem produtivamente sobre a realidade social, modificando-a.
  Existem,  pois, padrões sociais organizativos, assim como se têm processos psicológicos  intrínsecos ao indivíduo que interagem e conformam um fazer humano.  Esquivando-se de quaisquer determinismos – psicológico, social, genético etc. -,  as narrativas de uma geração espelham um tempo em que a experiência (re)visitada  aconteceu. Elas materializam um imaginário que confere um significado ao mundo.
  Portanto, ao  que parece, não tem grande peso a data início ou data fim, porque está-se  falando de um tempo afetivo, está se falando de uma memória geracional em que  as lembranças e as histórias pessoais se articulam a um contexto mais amplo,  povoado sim de fatos datados, mas sobretudo por reconstruções, pois são  releituras, são lembranças.  Parte-se do  princípio de que os narradores foram testemunhas, estiveram lá e por isso brindam-nos  com suas versões e visão. A uma “história oficial” entrelaça-se uma “outra”. E  foi esse o caminho que se trilhou: buscou-se na memória geracional a construção  de um imaginário sobre liderança.
  É sabido  que a memória como categoria psicológica distingue-se como conceito. Foge ao  propósito desta dissertação aprofundar nessa discussão. Entretanto, é possível  afirmar que não há memória em que o imaginário não esteja presente. Do mesmo  modo, não há imaginário sem que se identifique a memória de indivíduos,  grupos  ou sociedades.  
  Este  capítulo justifica-se como a descrição de uma conjuntura, de um contexto, e no  alinhamento de conceitos importantes, a saber: imaginário e gerações.  Acredita-se ter conseguido o intento, na certeza de que nem tudo foi dito e que  mesmo o que foi dito não é, em absoluto, tudo o que seria possível e necessário  dizer. Constitui-se apenas em um olhar de alguém que se encanta com a  descoberta da sua própria história e tranqüiliza-se ao constatar que o ser  humano é só, o que não significa necessariamente que está sozinho. A cultura o  salva, o redime. Sua história o acolhe e lhe dá sentido, e ele invariavelmente  se reconhece em todas as outras histórias.
  O próximo  capítulo trata dos temas liderança e tecnologia de preparação de líderes. Tendo-se  configurado um pano de fundo,  pretende-se mergulhar especificamente no objeto central desta pesquisa.  Inicialmente o conceito de liderança será analisado detidamente e, depois,  circunscrito dentro de correntes teóricas que o abranjam. Esse arcabouço servirá  de sustentação para a análise dos dados empíricos a ser apresentada no capítulo  4, ao mesmo tempo em que formará uma base para que se possa explorar a variável  tecnologia de preparação de líderes como subseção do próprio capítulo 3.
        VELHO, O. G. Geração. In. FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Dicionário de Ciências Sociais. Rio de  Janeiro: FGV, 1986 apud Schmidt  (2001, p. 88) destaca que o conceito sociológico de geração pode ser entendido em quatro sentidos distintos: “[...] (i)  conjunto de todos os membros de uma sociedade; ii) conjunto dos descendentes do  mesmo progenitor ou progenitores; iii) conjunto dos indivíduos que nasceram  aproximadamente na mesma época; iv) período entre o nascimento dos indivíduos  nascidos na mesma época e sua prole”. E, em conformidade com Áries (1997), o  termo recebe a conceituação de [...] uma população relativamente homogênea, que  corresponde aos homens e às mulheres nascidos no espaço de uma vintena de anos  [...]. 
Eisenstadt (1976) salienta que um grupo ou sociedade é um sistema de papéis e que o papel é a unidade básica de sua integração, compreendendo um segmento do comportamento total do indivíduo em relação a outros indivíduos e organizando todos eles em padrões bastante distintos.
Podem-se identificar intervalos distintos para definir cada geração. Entretanto, em todos, nota-se a permanência dentro das décadas consideradas por Conger (2002), ou seja, para a Geração X temos os nascimentos entre os anos 1960 e 1980 e assim por diante. Há, portanto, uma diferenciação de autor para autor, em torno de dois a três anos, o que no fim não perturba a compreensão do momento social caracterizado.
Neologismo derivado de panópitico que se refere a ponto ou posição central de onde se tem vista periférica e, ainda, local de guarda com estas características..
Expressão utilizada para designar “restos”. Museus, arquivos, cemitérios, coleções, festas, aniversários etc., representam os marcos de uma outra era. Esses lugares nascem e perpetuam-se sob a égide de que não há memória espontânea e são lugares nos três sentidos: material, simbólico e funcional simultaneamente, em gradações diferentes. Mesmo o lugar material só é lugar de memória à medida em que o imaginário o investe de uma aura simbólica.
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